Não há dúvidas a respeito da primazia do direito à saúde do
cidadão – tal direito constitucional é dado a todos de igual modo.
Não obstante, pela previsão da livre iniciativa no ramo da
saúde suplementar, as operadoras do plano de saúde constituíram poderoso e
relevante mercado no Brasil. A constituição federal de 1988, chamada, não à
toa, de constituição cidadão, apesar de ter permitido o desenvolvimento de tal
atividade, demonstrou, desde logo, preocupação de que a atividade fosse
exercida de maneira responsável e atenta à função social do contrato e da
atividade de empresa.
Assim, logo após a promulgação da constituição, veio do
código de defesa do consumidor, microssistema (por muitos chamado de lei de
terceira geração) que visa garantir a função social do desenvolvimento da
atividade de empresa a partir da proteção do polo vulnerável e hipossuficiente
da sociedade do capital nas relações de consumo: O consumidor.
Não há mais qualquer dúvida, hoje, de que a operadora do
plano de saúde pode ser entendida como fornecedora e o beneficiário como
consumidor, aplicando-se as regras do código de defesa do consumidor à relação
entre eles. Assim prevê, inclusive, a súmula 608 do STJ.
É claro: há lei específica a respeito do contrato de plano
de saúde, a lei 9.656/98. O código de defesa do consumidor, no entanto,
continua a ser aplicado subsidiariamente (muito embora este que cá vos escreve
acredite numa necessidade de horizontalização entre a aplicação da lei 9.656/98
e o código de defesa do consumidor).
Pois bem, prevê o código de defesa do consumidor que deverá
ser facilitada a defesa do consumidor no que tange aos seus direitos (6º, III,
cdc), aplicando-se, inclusive, a inversão do ônus da prova sempre que
necessário. Trata-se, aqui, do que chamamos de inversão do ônus da prova ope judicis, ou seja, inversão que o juiz, atentos às
peculiaridades de cada caso, fará operar.
Não suficiente, é preciso indicar que o código de defesa do
consumidor prevê em seu artigo 14 que em caso de fato do serviço (defeito na
prestação do serviço), o fornecedor de serviços responde,
independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos
consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Do §3º
do artigo 14 temos o que chamamos de inversão do ônus da prova ope legis, ou seja, uma inversão do ônus
da prova obrigatória porque prevista
em lei.
Assim, veja-se, quando o dano causado pela operadora do
plano de saúde perfura a bolha do serviço em si e macula o consumidor para
além, deve-se aplicar, indiscutivelmente, a inversão do ônus da prova, cabendo
à operadora do plano de saúde, se quiser fugir da responsabilização, comprovar
a ocorrência dos fatos desresponsabilizadores advindos dos incisos do §3º do artigo 14:
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado
quando provar:
I - que, tendo
prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa
exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Cabe indicar, ainda, que não pode ser dado azo à confusão
que encontramos em muitas equivocadas interpretações do §4º do artigo 14, que diz que “A
responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a
verificação de culpa.”
Veja-se, a lei é clara em indicar que o profissional liberal
responderá mediante responsabilidade subjetiva, o que em nada colide com o
direito do consumidor à inversão do ônus da prova.
Para melhor esclarecer a diferença entre a inversão ope legis e ope judicis, tragamos dois exemplos:
O consumidor beneficiário do plano de saúde, em meio a uma
cirurgia, foi vítima de erro médico e, por isso, sofreu a amputação de membro
sadio de seu corpo. Ora, estamos frente a dano que extrapola o serviço em si e
fere a dignidade e a integridade física do consumidor, ou seja, estamos frente
ao fato ou defeito do serviço. Opera-se, portanto, a inversão do ônus da prova ope legis, mas sob o manto da
responsabilidade subjetiva, já que o erro foi cometido pelo médico,
profissional liberal.
O consumidor beneficiário do plano de saúde completou 59
anos e viu a mensalidade do seu plano de saúde ser reajustada em 1099%. Este
reajuste, observando-se o contrato e as regras da ANS, nota-se abusivo. O dano,
porém, não extrapolou a prestação do serviço em si, no que estamos diante de
vício na prestação do serviço, não sendo obrigatória a inversão do ônus da
prova na ação revisional, já que incide na hipótese a possibilidade de inversão
do ônus da prova ope judicis, ou
seja, a cargo do entendimento do juiz.
Assim, concluímos que nas ações movidas contra operadoras de
planos de saúde deverá haver inversão do ônus da prova quando estivermos frente
à defeito do produto, sendo que, diante de vício na prestação do serviço, a
inversão do ônus da prova ficará a cargo do juiz.
Advogados Autores:
Leandro Lima OAB 425324/SP
Marcel Sanches OAB 404158/SP
Marcadores: Direito da Saúde, Planos de Saúde
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